A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988

A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988 e da Lei nº 10.639, de 2003, que estabeleceu as recomendações para a inserção da temática afro-brasileira nos currículos do ensino fundamental, médio e superior, acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos: 26-A e 79-B. O primeiro estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.
O mesmo artigo ainda determina que tais conteúdos devam ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. Pelas diretrizes estabelecidas na referida Lei, as escolas das redes pública e privada de educação básica deveriam ensinar aos alunos conteúdos relacionados à história e à cultura afro-brasileiras. Apesar disso, a maioria dos alunos ainda não conhece a contribuição histórico-social dos descendentes de africanos ao país. “A lei não foi implementada de maneira a abarcar todos os alunos e professores. O que existem são ações pontuais de iniciativa de movimentos negros, do MEC ou de universidades federais”
Assim, ao estudo de Língua Portuguesa e Literatura nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, propõe-se o desafio de valorizar a cosmovisão e a identidade negra. O trabalho com mitologia afro-brasileira torna-se, pois, mister para a prevenção do racismo e a intolerância.
Trabalhar com mitos dos orixás, mitos afro-brasileiros em aulas de literatura, é um caminho viável para questionar preconceitos e representações estereotipadas, resgatando e valorizando auto-estima e cultura negra. Há, pois, uma série de textos para os quais nossos educandos podem ser apresentados, a saber, Por que Oxalá usa ikodidé (SANTOS, 1997), A criação da Terra e Como surgiu a consulta a Ifá (in Beniste); Iemanjá ajuda Olodumaré na criação do mundo (VALLADO, 2002: 18), Como ìyàmi chegou ao mundo em Otá (VERGER, 1992, 38-40).
Esses textos podem ser abordados pelo professor de diversos modos: estudos de literatura oral e sua importância para a manutenção/preservação da cultura afro-brasileira; poesia e figuras de linguagem; conto e estrutura da narrativa; recital e teatro; intertextualidade; escritura/reescritura.
Projetos interdisciplinares que discutam a questão racial brasileira, a importância do resgate da memória ancestral, estereótipos e preconceitos atribuídos ao grupo negro também podem ser realizados, partindo-se dos mitos negros.
Segundo o professor Eduardo de Assis Duarte, coordenador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). a não adequação à lei está relacionada, basicamente, a três fatores: despreparo e desconhecimento dos professores com relação ao tema; pouco material de estudos produzido sobre a história e cultura dos afro-brasileiros no Brasil; preconceito de algumas instituições.
Constituído pela maioria católica, o povo brasileiro parece conservar certo ranço quando o assunto é diversidade religiosa. O problema com a intolerância vem de longe. Basta um olhar sobre a história das religiões brasileiras para percebermos a marginalização das que são minoria. Os estudos sobre o assunto demonstram que o candomblé foi silenciado no Brasil em diferentes momentos históricos: primeiro pela religião oficial (o catolicismo) e pelo Estado no período colonial brasileiro; segundo, pelo Estado ditatorial no Governo de Getúlio Vargas; terceiro, na segunda metade do século XX, pela ditadura militar que imperou de 1964 a 1985. Em uma época em que a maioria era católica. A mediunidade era considerada uma loucura, assim sendo várias pessoas passaram por tratamentos horrorosos, foram hospitalizados com tratamentos a base de fortes choques elétricos e remédios.
Desse modo, as organizações das comunidades religiosas de matriz africana e as produções intelectuais sobre as mesmas só irão obter liberdade de expressão a partir do fim desses sistemas políticos ditatoriais e com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Por ter sido muito perseguido e como é transmitido oralmente, com a morte dos antigos sábios, os saberes relativos aos rituais foram reapropriados e (re)inventados pelas gerações sucessoras que dão continuidade a esse fenômeno religioso.
O ano era demarcado pela repetição das estações e eles não conheciam sua divisão em meses.O sincretismo no Candomblé ou na Umbanda não é, como se pensa, uma simples tábua de correspondência entre orixás e santos católicos, assim como não representava o simples disfarce católico que os negros davam ao seus orixás para poder cultuá-los livres da intransigência do senhor branco, como de modo simplista se ensina nas escolas até hoje. Segundo Verger, na realidade, não desconfiavam que o que eles cantavam, no decorrer de tais reuniões, eram preces e louvações a seus orixás, a seus vodun, a seus inkissi. Quando precisam justificar o sentido dos seus cantos, os escravos declaravam que louvavam, nas suas línguas, os santos do paraíso. Na verdade, o que eles pediam era ajuda e proteção aos seus próprios deuses.
O sincretismo representa a captura da religião dos orixás dentro de um modelo que pressupõe, antes de qualquer coisa, a existência de dois polos antagônicos que presidem todas as ações humanas: o bem e o mal; de um lado a virtude, do outro o pecado. Essa concepção, que é judaico-cristã, não existia na África.
Antes da imposição do calendário europeu, os iorubás, que são a fonte principal da matriz cultural do candomblé brasileiro (Prandi, 2000b), organizavam o presente numa semana de quatro dias. Os afro-descendentes assimilaram o calendário e a contagem de tempo usados na sociedade brasileira, mas muitas reminiscências da concepção africana podem ser encontradas no cotidiano dos candomblés. A chegada de um novo odum, ano novo, é festejada com ritos oraculares para se saber qual orixá o preside, pois cada ano vê repetir-se a saga do orixá que o comanda: será um ano de guerra, se o orixá for um guerreiro, como Ogum, de fartura, se o orixá for um provedor, como Oxóssi, será de reconciliações, se for de um orixá da temperança, como Iemanjá, e assim por diante.
O ossé, a semana, constituiu-se num rito semanal de limpeza e troca das águas dos altares dos orixás. Cada dia da semana, agora a semana de sete dias, é dedicado a um ou mais orixás, sendo cada dia propício a eventos narrados pelos mitos daqueles orixás, por exemplo, a quarta-feira é dia de justiça porque é dia de Xangô. As grandes festas dos deuses africanos adaptaram-se ao calendário festivo do catolicismo por força do sincretismo que, até bem pouco tempo, era praticamente compulsório, mas o que a festa do terreiro enfatiza é o mito africano, do orixá, e não o do santo católico.
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